abril 19, 2017
Cheguei de mansinho, pisando leve, mas pensando alto. Um novo universo se abria diante de mim e, como sempre gostei de desafios – sobretudo quando se trata de estimular novos olhares sobre a dimensão e a complexidade da mente e da alma humana, aceitei de imediato o convite para atuar com a equipe da Clínica Fênix. Considerei uma provocação positiva para os meus quase 50 anos de atividades em terapia pela arte, especialmente utilizando o Teatro como veículo para as referidas atividades.
O que é a Fênix, como funciona esta Clínica de tratamento de dependência química e distúrbios mentais? Estudei o seu Estatuto, seus objetivos e suas experiências para situar-me e saber qual seria o meu papel em algo tão importante como a missão da Fênix. Procurei integrar-me com a equipe de trabalho, absorvendo uma enorme riqueza de informação e compreendendo valores profissionais, humanos e administrativos.
Organização e planejamento são cruciais para o bom desempenho e o sucesso dos objetivos e metas de qualquer instituição. Na Fênix encontrei isso. Cada profissional em seu devido lugar: portaria, recepção, cozinha, jardim, piscina, médicos psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, estagiários, tratamento de adicção, artes plásticas, dança, teatro, yoga e educação física.
Conforme já citado, trabalhamos com o teatro como terapia e integração de múltiplas artes e conhecimentos. Essa é a minha praia, na educação e na psicanálise. Busco proporcionar a leveza do espírito, estimulando a mente, através da arte, seja pela literatura, poesia, música e teatro. Os pacientes tornam-se aprendizes de uma nova forma de lidar com suas sensibilidades, interagindo melhor com o seu corpo e com a sua alma.
Corroborando com Reis (2014, p.144) acreditamos que
A mediação da arte na comunicação apresenta algumas vantagens, entre as quais a expressão mais direta do universo emocional, pois não passa pelo crivo da racionalização que acompanha o discurso verbal. Além disso, com a atividade artística, facilitamos o contato do sujeito com suas questões por um viés criativo, e não apenas dando forma a determinado conteúdo subjetivo, mas também podendo reconfigurá-lo em novos sentidos.
Com o intuito de alcançar esses resultados, realizamos trabalhos direcionados à respiração, à expressão corporal dramática e leitura de textos de autores que falam da complexidade da mente humana, dos seus distúrbios e ansiedades, a exemplo de Caio Fernando Abreu, que consegue falar poeticamente da loucura lúcida, embora também revele o mundo denso de sofrimento de cada um.
Muitos dramaturgos, músicos e filósofos foram apresentados, mas foi com Freud que trabalhamos a inspiração do psicodrama, resgatando memórias desde a infância, família, ego e o desejo de cada um conhecer a si mesmo. Dessa forma, nossos “lúcidos aprendizes” (pacientes) reescreveram a história Chapeuzinho Vermelho e encenaram a “Chapeuzinho Urbana”, que apresentaram no Orfanato Bezerra de Menezes. As leituras captadas nesse processo criativo foram muito interessantes, a exemplo das diversas avaliações feitas pelos pacientes sobre o imaginário infanto-juvenil, chegando mesmo a definir a mãe de “Chapeuzinho Urbana” como irresponsável por enviá-la, sozinha, para levar o bolo à sua vovó em uma área de risco.
Sempre após cada atividade uma bela discussão é feita. Cada dia é um novo dia, novas resenhas faladas, escritas ou expressas através de um movimento corporal. A criatividade está sempre à flor da pele, embora, como é perfeitamente normal, existem pessoas com maior ou menor potencial de expressão, com maior ou menor facilidade para estimular o autoconhecimento para o seu crescimento.
Para aqueles com mais dificuldades (depressão mais intensa), a atenção é maior, pois demanda um constante processo de estímulos, pela arte da sensibilização, para elevar sua autoestima. Isso requer um trabalho de respiração na abertura dos trabalhos, às vezes conduzida, para que consigam encontrar, no universo da sua alma, lugares lindos e prazerosos, possibilitando substancial melhora na concentração e no foco das atividades do dia.
É visível a necessidade que têm de representar fatos de suas memórias, o que caracteriza o desejo de reencontrar-se. Há uma preferência por dramatizar sentimentos em todos os grupos, o que me sugere a aplicação de algumas técnicas de criação coletiva, de resgate de referências e histórias, com o objetivo de organizar o pensamento e a integração do grupo. Essa experiência já gerou belos textos, o que, inclusive, fez despertar o desejo de montar espetáculos para apresentá-los até mesmo fora da Clínica.
Estimular para enfrentar os desafios, criar perspectivas de novas iniciativas é sempre uma grande conquista. É neste sentido que surge a ideia de trabalharmos um texto sobre a lenda da Caipora, com múltiplas abordagens sobre valores humanos e ambientais. Esse texto será adaptado pelo grupo Fenix Dia 2 com o objetivo de apresentá-lo dentro e fora da Clínica. Agosto foi o mês escolhido para a estreia em referência à comemoração do folclore brasileiro. O grupo Fenix Dia 3 está em processo de pesquisa sobre palhaços, com o objetivo de levar animação para as crianças de creches do entorno da Clínica, também com previsão de apresentação fora e dentro da Fênix, no o mês de outubro, em comemoração ao mês da criança. O grupo Fenix Dia 1 já definiu o texto sobre a Páscoa, com o mesmo propósito dos outros grupos, para este mês de abril. O grupo de Dependência Química Internados, que não tem possibilidade de sair, ainda não se manifestou, mas, com certeza, vai encontrar o seu projeto para apresentar dentro da Clínica, como os demais grupos. O Fenix Dia para Depêndencia Química ainda não definiu o tema a ser desenvolvido. Por hoje é só.
Petinha Barreto, arte educadora e orientadora teatral da clínica fênix.
REFERÊNCIA
REIS, Alice Casanova dos. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do Psicólogo. Psicol. cienc. prof. [online]. 2014, vol.34, n.1 [citado 2017-04-12], pp.142-157. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932014000100011&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1414-9893. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932014000100011.